Decisões, emoções e meio ambiente.

Dizemos que somos seres lógicos e racionais e que esta racionalidade é um processo que faz tomarmos decisões melhores para nós. Mas será que é sempre assim, a melhor decisão? Muitos fatores podem influenciar nesta “razão pura” e tornar o processo de escolha mais sinuoso do que pensamos.

Uma deles é a influência de nosso estado emocional e fisiológico. Mesmo afirmando que estamos “normais” ou que “não estamos sentindo nada diferente” ao fazermos uma escolha, fato é que sempre estamos sentindo algo e que esse estado emocional influencia em nosso processo decisório, mesmo que de forma subconsciente. Podemos aqui, de forma a simplificar este raciocínio, dizer que emoções são uma combinação de certos hormônios e neurotransmissores químicos que vão desencadear uma série de respostas corporais. Atividades como alteração da respiração e dos batimentos cardíacos, dilatação de pupila, preparação do corpo para defesa ou ataque, relaxamento… tudo isso baseado na quantidade de – por exemplo – adrenalina ou endorfina na sua corrente sanguínea entre outros componentes químicos, liberados por comandos em partes específicas do nosso cérebro.

Estas regiões liberam ou não estas substâncias como resposta a estímulos do meio ambiente em que estamos. Se você se sente ameaçado, ou não seguro, seu corpo se prepara instintivamente para se defender ou atacar – seja lá do que for. Se o ambiente não representa ameaça, então o corpo responde com comandos para você relaxar, pois não há ameaça imediata.

Biologicamente, não faz muita diferença para o corpo se esta “ameaça” é um tigre, seu chefe gritando, ou um ambiente em que algo inesperado pode ocorrer – e que nos põe em estado de alerta e de stress. E onde quero chegar com isso?

Há sempre a percepção de que, hoje em dia, todos vivem em estado de stress. Queixas corriqueira sobre se sentir estressado, cansado demais, num estado de contínuo desconforto. Muitas vezes, as pessoas justificam isso pela pressão do trabalho, a atenção constante aos filhos, o deslocamento nas grandes cidades. Estes estados, se vivenciados de forma constante, ganham uma nova dimensão: De irritação passa a agressividade. De uma tristeza podemos passar para uma depressão. E assim por diante.

Acontece que coisas muito simples, e sempre presentes, podem também influenciar em nosso estado emocional – e consequentemente em nossas escolhas – e que nem sempre prestamos a atenção devida. Coisas como a qualidade ou volume de ruído ou a intensidade luminosa do ambiente, por exemplo.

Já foi provado que nós tendemos a beber mais em ambientes ruidosos. Ambientes ruidosos aumentam a descarga de hormônios como o cortisol, que nos induzem a um estado de ansiedade e alerta constante. Se for um barulho alto e de curta duração, o corpo se sobressalta num susto, fica com um súbito medo, mas vendo que o perigo passou voltamos à normalidade. Mas se o barulho é constante, esta sensação de stress constante nos leva num estado de ansiedade e irritabilidade que demora a desligar. E assim, nosso processo de tomada de decisão fica prejudicado. Não é à toa que os donos de bares não ligam se o ambiente é ruidoso, acima do confortável. Você vai consumir mais, e é o que importa para ele. E bebendo mais, dificilmente tomamos melhores decisões (como ligar pra ex no meio da madrugada, bêbado).

O mesmo vale para música alta em restaurantes. Pesquisas na Universidade de Oxford e Flórida provou que em ambientes barulhentos nós tendemos a comer pior, a optar por um cardápio menos saudável. O motivo é que ambientes ruidosos aumentam o nosso batimento cardíaco e estado de stress. Ficamos mais ansiosos! E num estado de ansiedade tendemos a escolher comidas que nos façam sentir um pouco mais confortáveis, as chamadas “comfort food” e que nem sempre são as mais saudáveis – que escolheríamos de forma mais consciente se o ambiente fosse mais calmo e tranquilo, não nos deixando em estado de irritação constante.

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A iluminação é outro fator que altera nossa percepção e nosso humor. Aquela luz bem branca, quase azulada que você comprou para economizar na conta de energia está atrapalhando o seu sono, se você a usar em áreas de descanso. É que o espectro “azulado” da luz – o que as pessoas geralmente chamam de luz “fria” – tem uma frequência que ativa nossas respostas fisiológicas para atividades diurnas. Não é à toa que os escritórios são inundados com uma iluminação bem branca e bem forte. Isso ajuda as pessoas a manterem o foco, e se manterem alertas. O que se procura é deixar os trabalhadores em estado de atividade constante, mas que pode aumentar o nível de stress e irritabilidade, principalmente se considerarmos as longas horas de uma jornada de trabalho em ambiente de escritório.

Quando chegamos em casa, é o oposto que queremos. Precisamos de uma iluminação mais amena, e mais “amarelada” – ou seja, dentro do espectro de luz que vai induzir o relaxamento, e a produção de melatonina, o hormônio do sono. É como se quiséssemos dizer ao nosso corpo, “O perigo ou stress já passou, pode baixar suas defesas e descansar agora”. A luz branca de espectro frio tem uma alta temperatura de cor, acima dos 5.000K o que resulta em enganar o corpo, fazendo ele acreditar que ainda é dia. Assim a produção deste hormônio é cortada. Ao invés de nos prepararmos psicologicamente para uma boa noite de sono, estamos dando ao corpo um sinal invertido, de que ainda é necessário ficar acordado e alerta. Sem um descanso adequado, acordamos de mal humor, irritados e cansados. Difícil tomar melhores decisões assim.

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Portanto sempre que quiser tomar decisões mais conscientes, ou quiser ter uma conversa mais delicada, procure um lugar com as condições ideias para isto acontecer. Sem muitos ruídos, confortável e com iluminação amena. Assim você dá sinais ao seu corpo (e da outra pessoa) de que é possível relaxar. Estamos dizendo ao nosso corpo com um ambiente menos agressivo de que é possível ficar mais tranquilo, nosso batimento cardíaco vai abaixar, nossa respiração ficará mais profunda, e isso impacta em nosso estado emocional. Ficamos mais tranquilos, mais abertos ao outro, longe de um estado de stress ou de ansiedade. E mais conscientes, melhores decisões se tornam possíveis.

Se você tem uma experiência em que sentiu quando o meio ambiente influenciou negativamente em uma tomada de decisão, comente abaixo!

Fontes e Referências

Restaurantes barulhentos influenciam como pedimos comida
https://www.foodandwine.com/news/noisy-restaurants-ordering

Efeitos de música ambiente e ruído de fundo na venda de comidas
https://www.researchgate.net/profile/Dipayan_Biswas/publication/324843071_Sounds_like_a_healthy_retail_atmospheric_strategy_Effects_of_ambient_music_and_background_noise_on_food_sales/links/5b8184b2299bf1d5a7270a54/Sounds-like-a-healthy-retail-atmospheric-strategy-Effects-of-ambient-music-and-background-noise-on-food-sales.pdf?origin=publication_detail


Características de Risco e Percepção de Risco
http://oxfordre.com/communication/view/10.1093/acrefore/9780190228613.001.0001/acrefore-9780190228613-e-283

Millennials não suportam o alto ruído em locais de trabalho
https://www.citylab.com/life/2016/06/when-it-comes-to-workplace-noise-millennials-cant-even/487367/


Poluição Sonora: Efeitos não auditivos na saúde
https://academic.oup.com/bmb/article/68/1/243/421340

As promessas não cumpridas do escritório de planta livre
http://blog.oxfordeconomics.com/unmet-promises-of-the-open-plan-office

Hospitais buscam diminuir ruído em Unidades de Tratamento Intensivo para diminuir o Stress
https://www.oxfordcc.co.uk/custom-software/noise-levels-attract-intensive-care/

A importância da iluminação para o sono
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/02/150129_luz_dormir_lgb

Entrevista e matéria com a crítica de arquitetura Kate Wagner sobre a influência de música e ruídos em restaurantes. Em formato de podcast
https://www.20k.org/episodes/diningondecibels

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