Algumas vezes recebo clientes que relatam questões muito similares. Por mais que amem seus parceiros, há sempre um mecanismo de agressão na relação, uma engrenagem que parece impedir os dois de uma convivência mais pacífica.
Os relatos começam com acusações ou indiretas sobre seus parceiros. Algo como “Fulano me tira do sério”, ou “Quando ela faz isso e não me deixa agir é que eu reajo e as brigas começam”, ou “Se ele/ela não fosse tão assim eu poderia ser diferente”… conhece essa história?
É claro que a outra pessoa fez algo, mas não importa o quê. A isso nós damos o nome de gatilho emocional, ou seja, algo que dispara em nós uma resposta emocional intensa.
O importante é perceber que o gatilho tem menos a ver com o evento em si e mais em como nós nos sentimos quando isso acontece. Porque isso diz muito sobre nós mesmos (e como melhorar a situação).
Quando uma situação gatilho acontece, algo que ocorre ou outra pessoa faz nos toca intensamente. É aquela sensação de que alguém pôs “o dedo na ferida” e reagimos quase sem pensar, como que “por instinto”.
O que muita gente não sabe é que a situação chamada de gatilho não é a maior causadora do estresse emocional que vivenciamos. O que em geral ocorre é que ela tem características de uma outra situação, esta sim a fonte do problema, que em geral foi vivida no passado, possivelmente na nossa infância. E como isso acontece?
Situações de stress emocional vividas na infância são delicadas e mais intensamente vivenciadas pois acontecem numa fase em que temos poucos recursos psicológicos e racionais para lidar com ela. Então, digamos como um exemplo, que uma situação de abandono vivenciada por uma criança – vamos dizer que os pais esqueceram de pegar ela na escola – é vivida como um trauma de abandono, onde a criança se sente desprotegida, desamparada e muito solitária, por não ter ainda os recursos para entender logicamente o que aconteceu. Esta memória fica gravada de forma mais intensa no cérebro, mesmo que de forma subconsciente. Para um adulto, ficar esperando 30 minutos pode ser irritante mas não absurdo, mas para uma criança pequena, isso pode ser percebido como ameaçador a sua própria sobrevivência.
O que ocorre então é que quando nosso parceiro “esquece” de nos pegar em algum local combinado, a semelhança com esta memória ativa reações primárias, ligadas a um instinto de defesa e sobrevivência que visam nos proteger de sentir novamente a mesma dor de quando éramos menores e desprotegidos. Reagimos de forma “irracional” e mesmo sendo adultos, na hora esquecemos de qualquer explicação mais racional como a dificuldade de trânsito das metrópoles, a quantidade de tarefas que nosso parceiro tinha que fazer naquela tarde, e assim por diante. Quando ele chega para nos pegar, “projetamos” nele toda a raiva e frustração não do adulto, mas da criança que deseja não mais ser abandonada.
É neste ponto que o trabalho terapêutico tem valor. Muitas pessoas questionam ou ironizam o fato de em terapias nós sempre voltarmos para estas questões primordiais, questões de infância, relacionamento entre pais e filhos, talvez por não entenderem justamente estes mecanismos de projeções que são disparadas em situações-gatilhos por questões emocionais subconscientes e que foram gravadas há muito tempo atrás. E como melhoramos isso?
Nos reconectando de forma consciente com estas questões é possível ressignificar de forma gradativa nossos traumas e questões subconscientes, para que o trauma seja desacoplado de um evento cotidiano (um atraso para um encontro) de um sentimento profundo de abandono. Desta forma é possível passar pela situação desconfortável sem atrelar a ela outros sentimentos intensos e enxergar mais facilmente que nem sempre uma atitude de alguém foi feita para nos provocar, ou nos tirar do sério, ou como falta de amor. Este é um dos caminhos mais eficientes para que brigas e discussões frequentes sejam colocadas de lado para um caminho mais harmonioso.
Há hoje muitas terapias que trabalham diretamente e de forma eficiente com estas questões, se utilizando de ferramentas de percepção corporal e emocional para explorar de forma suave e controlada estas emoções intensas. Das existentes, duas que trabalham de forma corporal e que eu aplico são a Respiração Bioflow e também a Experiência Somática (Somatic Experiencing₢) para descobrir, se conscientizar e trabalhar com essas questões subconscientes e que nos prejudicam no dia-a-dia. Vamos melhorar de vida?
Um comentário em “Gatilhos Emocionais e nosso passado”